Portal do Butantan

Pratas da casa | Da química do cotidiano à educação, pesquisadora sonha com vagas olímpicas em todas as universidades

Sonia Aparecida de Andrade Chudzinski mudou a história da Olimpíada Brasileira de Biologia e quer fazer o mesmo com outras competições estudantis


Publicado em: 12/05/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: José Felipe Batista, Marília Ruberti e acervo pessoal


“Oi, você tá bem?”. É assim, e sempre com um sorriso no rosto, que a pesquisadora Sonia Aparecida de Andrade Chudzinski, conhecida como Soninha, 50 anos, cumprimenta todo mundo que cruza seu caminho pelos corredores do Instituto Butantan.

A simpatia é uma das marcas registradas da cientista e vem da vivência em Fernandópolis, no interior paulista, quando a então menina ajudava os pais a atender os clientes no empório da família. Lá, ela aprendeu a conviver com pessoas diferentes a cada dia, de donas de casa a trabalhadores rurais, moldando sua forma de trabalhar: “gosto de gente”, resume.

O carisma, que lhe faz construir amizades por onde passa, é um misto de timidez (que vem do tempo em que se escondia das visitas atrás da porta) e da coragem de encarar o novo a cada dia. Foi ainda criança que Soninha ficou fascinada pelo fenômeno das reações químicas ao ver mulheres produzirem o próprio sabão em casa, e ao observar a transformação do grão de café em um líquido preto e cheiroso, e da cana-de-açúcar, tão comum na sua região, em bebida e em combustível.

“Era uma época em que não se falava em reutilização, em química ambiental, mas as pessoas guardavam óleo e compravam soda cáustica no empório para fazer sabão. O mesmo ocorria com o café, que as pessoas colhiam, torravam e moíam em casa, outro processo que me encantava”, relembra.
 

Soninha nos corredores da Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB) onde atua na coordenação da Olimpíada Brasileira de Biologia

 

Transformações

As experiências científicas começaram no quintal de casa, onde a jovem produzia o próprio sabão com materiais como folhas de eucalipto, usando latas de goiabada sobre pequenas fogueiras. Aquelas transformações ganharam o nome de “reações” nas aulas de química da escola pública, determinantes para a escolha da carreira. 

Soninha entrou na faculdade de Química e Tecnologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande, em 1992, e enveredou pela carreira científica fazendo dois projetos de iniciação científica sob orientação da professora Neli Kika Honda. Em ambos ela estudou plantas, mais especificamente o isolamento de ácidos liquênicos e a extração de alcaloides para fins farmacêuticos.

Na faculdade, Soninha pisou pela primeira vez em um laboratório, experiência que delineou sua verve de pesquisadora. “A gente montava um Frankenstein da molécula ainda usando revistas, era fantástico!”, relembra.

Foi no laboratório também que se deparou novamente com processos de transformação, que sempre a encantaram. “Você começa a entender que a carne que você come é proteína, que a cana-de-açúcar é química de carboidratos, assim como as gorduras são lipídios. Que tudo é química, tudo envolve transformação.”

O contato estreito com a orientadora – que chegou a ser fiadora de Soninha em Campo Grande, já que sua família não vivia na cidade – acendeu o interesse também pela educação científica, que seria exercida plenamente nos anos seguintes.

 

Soninha na cerimônia de formatura da faculdade de Química e Tecnologia da UFMS, com Aloizio Oliveira Soares (à dir.), hoje coordenador estadual da OBB no Mato Grosso do Sul

 

Mulheres que trabalham demais

A vida acadêmica seguiu seu curso na capital paulista, para onde a jovem química se mudou para fazer o mestrado e o doutorado em Ciências Biológicas (Biologia Molecular) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os programas de pós-graduação foram finalizados em 1999 e 2003, respectivamente, sob a orientação da professora titular e livre-docente Maria Luiza Vilela Oliva.

Soninha começou a frequentar o Butantan ainda no mestrado, ao participar do grupo da pesquisadora científica Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, onde estudou uma proteína do veneno da lagarta Lonomia obliqua. No doutorado, estudou coagulação sanguínea e a ação de substratos e de inibidores peptídicos pela Unifesp, com sanduíche na Universidade de Munique, na Alemanha. 

Na capital da Bavária se virou bem em inglês e alemão, línguas que estudou com afinco, mantendo a fama de boa aluna. “Na Alemanha eu aprendi sobretudo a importância da organização e de ter uma base literária importante. Lá eles preconizavam cinco dias de biblioteca para um dia de bancada”, conta. 

No pós-doutorado, sob a orientação da pesquisadora Denise Tambourgi, do Laboratório de Imunoquímica do Butantan, publicou trabalhos sobre toxinas do veneno da aranha marrom (Loxosceles intermedia).

Para Soninha, para além das reações químicas e suas transformações, que tanto lhe abriram caminhos na vida acadêmica, foi a convivência com essas mulheres que determinou sua trajetória profissional.

“Minha vida sempre foi cercada por mulheres que trabalham demais. A Neli sempre reta, focada na química analítica; a Maísa se questionando por que não estudar isso, de forma leve e divertida; a Denise sempre muito organizada. Eu tentei pegar o melhor de cada vivência. Claro que a gente erra muito, e errar faz parte do processo. Mas quem não dá a cara a tapa também não aparece, né?”, reflete.


A orientadora Maria Luiza Vilela Oliva, da Unifesp, acompanha Soninha em congresso na Alemanha

 

Educação na escola e no trabalho

A hegemonia feminina deu uma trégua durante outra parte do doutorado, feito com a colaboração do professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Botucatu (SP), o médico cirurgião vascular Francisco Maffei, “meu amigo até hoje”, como Soninha bem o descreve. Na ocasião, ela estudou o potencial efeito antitrombótico de um inibidor da coagulação, que não obteve o efeito esperado, como rotineiramente pode acontecer na ciência. 

Anos depois, Francisco criou um grupo de pesquisa no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês focado em hemostasia e Soninha trabalhou lá por cerca de três anos. Paralelamente à pesquisa, ela atuou no desenvolvimento da base curricular de duas novas escolas modelo de Ensino Médio no interior de São Paulo – em Botucatu e São José dos Campos, em parceria com a Embraer. A ideia era trabalhar com professores e cientistas de várias áreas, como biólogos e químicos, entre outros especialistas, em aspectos que iam desde a criação de laboratórios até a formação da base curricular de fato. 

“Trabalhamos muito no sentido de elaborar práticas para alunos do Ensino Médio e foi onde eu comecei a ter mais contato com jovens e com um grupo fantástico de educadores”, conta, já dando pistas do que a faria se tornar, anos depois, a coordenadora nacional da Olimpíada Brasileira de Biologia (OBB).

A experiência de levar a educação científica aos jovens arrastou de vez sua carreira para a educação. Soninha começou então a lecionar Bioquímica na Universidade Mackenzie e Química Analítica na Faculdade Oswaldo Cruz, em São Paulo, até que veio a aprovação no concurso para pesquisadora científica do Instituto Butantan em 2010. 

Na época, seus filhos gêmeos Pedro e Catarina tinham poucos meses de vida e ela precisou contar com o apoio da família para dividir a vida do trabalho e da maternidade com a melhor gestão de tempo possível.

 

A educadora tomou forma

A habilidade de fazer múltiplas tarefas, associada à facilidade de lidar com pessoas e à base curricular robusta foi levando Soninha à gestão de vários projetos dentro do Butantan ao longo dos anos. 

Tornou-se orientadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências – Toxinologia (Instituto Butantan) e de Biotecnologia, realizado pelo Butantan em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT); e dos programas de especialização Toxinas de Interesse em Saúde e Vacinas e Biofármacos da Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB). 

A veia de educadora de Soninha já era tão conhecida no Instituto, que, em 2014, ela recebeu uma missão um tanto inusitada: capacitar dois estudantes promissores que haviam sido classificados para a Olimpíada Internacional de Biologia (IBO). O pedido feito, pelo então coordenador da OBB de São Paulo, Daniel Berto, era ajudar os “geninhos” Alan e Gabriel, que se formaram posteriormente em Medicina, pela Unesp de Botucatu, e em Filosofia, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos – Soninha mantém contato com os dois até hoje.
 

Uma das medalhistas da OBB Iara Vitarelli recebe certificado das mãos de Soninha

 

A OBB é um evento que ocorre anualmente desde 2005 com o objetivo de selecionar e revelar talentos do Ensino Médio que são destaque em Biologia e outras áreas da Ciência, além de promover a aproximação entre ambiente acadêmico e escolar. Ao longo do tempo, a iniciativa premiou centenas de estudantes em diferentes modalidades, além de habilitar seus medalhistas a participarem de eventos mundiais como as olimpíadas internacionais do conhecimento.

Soninha aceitou o desafio e acionou uma rede de pesquisadores no Butantan para ajudá-los. Deu tão certo que a fama de preparadora de estudantes ultrapassou os muros do Instituto. No ano seguinte, a coordenadora nacional da OBB perguntou se Soninha não queria ajudar a capacitar alguns alunos para a própria OBB e para as olimpíadas internacionais. Quinze alunos foram formados, com aulas teóricas e práticas, em um laboratório didático dentro do Instituto. 

“Nós desenvolvemos um protocolo e eles gostaram muito porque nós oferecemos, além das aulas teóricas, aulas práticas, porque o Butantan tem esse foco, essa potência, esse viés para a educação científica”, conta.

Em 2015, Soninha reencontrou a professora Neli Kiko Honda no laboratório onde trabalhavam, durante uma comemoração de 20 anos de formatura. Acompanhada do marido Edson, da mãe Olga, e de seus filhos Catarina e Pedro, o encontro foi carregado de emoção e orgulho pelo que a orientanda havia se formado.

“Ela nos recebeu com bolo, suco, mostrou meus cadernos para os meus filhos. Minha mãe ficou toda orgulhosa de mim. Foi a coisa mais linda!”, conta.

 

Soninha faz abertura da capacitação da OBB do Butantan

 

Olimpíadas científicas e a “revolução”

Em 2016, toda a capacitação dos estudantes para a OBB passou a ser feita no Instituto, e, em 2017, o Butantan assumiu a organização da competição. Soninha se tornou, então, a coordenadora nacional da OBB, que passou a contar com o apoio da Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB) em 2023.

“Sonia, eu estou me aposentando e eu vejo em você a nova coordenadora. O Butantan tem toda a estrutura”, ouviu a pesquisadora em uma ligação da então ocupante do cargo, a professora Leila Oda. 

Soninha não somente aceitou o convite, como resolveu fazer algumas mudanças que revolucionaram e ampliaram a penetração da OBB no país.

A primeira foi informatizar todos os dados da competição e reformular o site, que hoje apresenta conteúdos, provas anteriores, gabaritos contextualizados e uma plataforma de vídeos para ajudar estudantes a se prepararem para as provas.

Depois, em conjunto com os coordenadores estaduais da OBB e com outros setores do Butantan, Soninha espalhou o protocolo de capacitação e incluiu a OBB nas vagas olímpicas das universidades públicas brasileiras que as oferecem. Essa ação amplia a possibilidade de os medalhistas terem ingresso nas melhores universidades do país, sem precisar fazer exames vestibulares ou o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). 

 

Soninha com a turma de medalhistas da OBB em 2023

 

As vagas olímpicas começaram em 2019 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e foram encampadas nos anos seguintes pela USP, Unesp, e as universidades federais de Itajubá (Unifei), do ABC Paulista (UFABC) e de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Sabendo dessa possibilidade, Soninha não pensou duas vezes em se empenhar ao máximo para que a OBB participasse dessas iniciativas.

“Vimos o potencial dessas vagas serem uma revolução na educação e temos orgulho de falar que a OBB está em todos os programas de vagas olímpicas do Brasil”, afirma.

Soninha gasta boa parte de seu tempo se dividindo entre as orientações de seus alunos do Butantan, projetos científicos e a organização da OBB, que envolve garantir a manutenção da qualidade e da segurança da prova. Isso porque, com a possibilidade de se conseguir uma vaga olímpica em universidades renomadas, aumenta também a necessidade de um alto rigor da avaliação.

“Precisamos continuar garantindo a qualidade e a segurança da prova, que, na fase 3, é criptografada, para manter a lisura e a segurança”, esclarece.

Na preparação dos alunos para as olimpíadas ibero-americanas, Soninha conseguiu um outro feito: oferecer provas em português para os concorrentes brasileiros. “As provas eram em espanhol e com isso nossos professores tinham uma certa desvantagem para adequar a provas para os nossos estudantes, que não era justa. Então lutamos muito para mudar e conseguimos que eles fizessem provas em português, que fossem acompanhados por intérpretes, e que sempre houvesse alguém falando em português nas seletivas”, conta.

 

Orgulhosa, Soninha cumprimenta Lucas Batini, medalhista de ouro da OBB em 2021

 

O sonho da ampliação das vagas olímpicas 

A atuação notável fez Soninha acumular cargos nacionais com enfoque na educação e na pesquisa. Foi membro suplente representante do Ministério da Saúde na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO) entre 2018-2022, e em 2024 foi eleita presidente do Fórum de Olimpíadas Científicas no Brasil, com mandato de dois anos.

Como presidente desse fórum, Soninha pretende estruturar para (novamente) transformar. O objetivo é somar forças com representantes de outras olimpíadas para criar uma estrutura única de olimpíadas científicas no Brasil e, assim, criar vagas olímpicas em todo o país.

“Com muita conversa, estamos avaliando melhorias em editais, a ampliação de verbas, a prestação de contas, a fim de conseguirmos integrar todas as olimpíadas científicas, de modo que fique melhor para todo mundo. Para mim é fundamental que todos os estados e todas as universidades tenham vagas olímpicas”, argumenta.

Para isso, Soninha continua se empenhando em democratizar a educação científica e derrubando fronteiras. Recentemente a OBB recebeu um selo do Conselho Federal de Biologia e o apoio da Sociedade Brasileira de Virologia. Além disso, em 2026, o Butantan será sede da Olimpíada Ibero-americana de Biologia, que recebe estudantes de 15 nações.

“Nos relacionamos bem com os países participantes. Quando chegamos nos eventos, não tem quem não conheça o Butantan, todos querem vir para o Butantan, o que dá muito orgulho. Estamos agarrando as oportunidades”, declara.

Mas quem pensa que Soninha está completamente satisfeita com tantas mudanças, se esquece da inquietação da mulher que está sempre pronta para novas transformações. 

Outro objetivo que já vem sendo realizado, mas pretende ser aprimorado, é oferecer cada vez mais vagas para a capacitação para olimpíadas internacionais aos alunos de escolas públicas e do 2º ano do Ensino Médio – a maioria dos participantes é do 3º ano. 

“Estamos aumentando a estrutura para receber estes estudantes e contando com o apoio da Fundação Butantan para os alunos das escolas públicas de diferentes estados. Tem muita gente trabalhando para esse alcance e preparados para oferecer avaliações para milhares de estudantes que estarão em sintonia com a OBB”, conclui.